sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O gato que caça ratos

In "Jornal de Negócios Online":

A divergência da economia portuguesa na última década tem congregado atenções. Contudo, não é inédita em Portugal, nem uma idiossincrasia nacional. Recuando ao séc. XIX, em 1871, a vanguarda intelectual portuguesa na pessoa de Antero de Quental escrutinava a decadência lusitana dos três séculos precedentes, identificando as suas causas. Para o definhamento português apontavam: falta de "liberdade moral", responsável pela escassez de inovação e estigmatização do fracasso, condicionando o empreendorismo; ausência de "classe média" (promovida por actividades comerciais e manufactureiras), cerceando a valorização social do trabalho e empurrando a população para sob o chapéu do Estado na busca de rendas; e, finalmente, inexistência de "indústria", a principal alavanca de produtividade e crescimento sustentável do rendimento. O diagnóstico está traçado há mais de um século. Os atavismos identificados pelos "Vencidos da Vida" colam à descrição da actualidade. Não obstante, na segunda metade do séc. XX, Portugal desfruta de um período de crescimento económico pujante, integrando o conjunto das economias mais dinâmicas do mundo.


Outras economias também atravessaram e superaram períodos de decadência económica: o Reino Unido no dealbar do consulado Tatcher; a década perdida japonesa nos anos 90; a Alemanha em meados da década de 90, a Suécia após o assassinato de Olaf Palm; ou a China após o séc. XVI. O seu renascimento decorreu da confluência da ênfase na matriz cultural primordial com a execução de políticas adequadas. Apesar dos pontos de contacto, são reconhecidamente exemplos irreplicáveis, porque radicam na exploração de traços culturais únicos.


Em meados da década de 90, a posição hegemónica exportadora germânica estava ameaçada.


Contudo, no actual século, a Alemanha recuperou a liderança e reemergiu como caso de sucesso. Qual a receita seguida? Concentrou-se nas suas competências únicas, aproveitando a globalização para subcontratar fases do processo produtivo em que era menos eficiente e comprar fora bens em que era menos competitiva. Um país que, desde sempre, se destacou na construção de máquinas, aperfeiçoou essa especialização, ao mesmo tempo que prosseguia reformas dos factores inibidores das vantagens competitivas. No Japão, a emergência da China e doutros produtores no Sudoeste asiático destronou as empresas japonesas da liderança do mercado de produtos electrónicos de grande consumo. Confrontadas com a concorrência, as empresas nipónicas reinventaram o seu negócio, recentrando a sua actividade na produção de objectos de precisão e fiabilidade e no aperfeiçoamento de regras de produção minimalmente eficientes numa evolução da lógica do "just in time". Reorientaram-se para aquilo em que reside a sua excelência, reconquistando o topo. A presente deriva industrial da China tem antecedentes numa história milenar de reconhecida capacidade manufactureira: (e.g. têxtil e louça). A actual pujança industrial ancora num passado longínquo, mas caracterizador das suas valências. A despeito da impossibilidade de réplica dos casos referenciados, existe um elemento comum: a reinvenção do país em torno das suas vantagens competitivas.


Concentram-se naquilo que reconhecidamente fazem melhor que terceiros.


Esta constatação aponta um caminho de saída para o actual impasse português: identificar as suas vantagens competitivas, que deverão pertencer ao código genético português (por ex: aproveitamento da posição geográfica, de condições climatéricas privilegiadas, a facilidade de contacto com outras culturas, presença ancestral em praticamente todos os continentes, reconhecida capacidade para comerciar,…); encetar eventuais reformas necessárias para ampliá-las; e concentrar esforços na sua concretização. Pelos exemplos, constata-se que se foram buscar as raízes do sucesso a elementos definidores do DNA cultural, sendo a aplicação do receituário servida por forte pragmatismo. Este pragmatismo é cruamente ilustrado pelo comentário de Deng Xiaoping que, em 1978, marca o início do renascimento económico chinês: "Não interessa discutir se o gato é branco ou negro: o que importa é que cace ratos." Portugal tem de encontrar o seu gato: a vantagem competitiva de que dispõe e que terá de alavancar para assegurar uma dinâmica de crescimento sustentável de rendimento.

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