quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Riqueza e cultura das nações

In "Jornal de Negócios Online"
Os economistas contemporâneos transformaram Adam Smith num profeta, tal como os regimes comunistas em tempos idolatraram Karl Marx. A principal doutrina que atribuem a Smith – de que os incentivos adequados, independentemente da cultura, produzem bons resultados – tornou-se no grande mandamento da economia. No entanto, esta visão é uma interpretação errada da história (e, provavelmente, uma leitura errada de Smith).

O crescimento dos tempos modernos resultou não de melhores incentivos, mas da criação de uma nova cultura económica em sociedades como a Inglaterra e a Escócia. Para conseguirmos que as sociedades pobres se desenvolvam, precisamos de mudar as suas culturas, não apenas as suas instituições e respectivos incentivos. Para tal, é preciso que mais pessoas dessas sociedades experimentem viver em economias desenvolvidas.

Apesar da crença quase universal, por parte dos economistas, na primazia dos incentivos, há três características da história mundial que demonstram a dominância da cultura. No passado, os governos de excelência – aqueles que incentivaram plenamente a sua população – andaram de mãos dadas com a estagnação económica. Os incentivos à actividade económica são muito melhores na maioria das economias pobres, incluindo as economias pré-industriais, do que em economias prósperas e satisfeitas, como as da Alemanha ou Suécia. A própria Revolução Industrial resultou de mudanças nas preferências económicas da população inglesa, não de mudanças em instituições.

A título de exemplo, a indústria têxtil do algodão, desenvolvida em Bombaim entre 1857 e 1947, operava sem quaisquer restrições laborais, com segurança total do capital investido, um sistema jurídico estável e eficiente, sem controlos sobre as importações ou exportações, liberdade de entrada dos empresários de todo o mundo e livre acesso ao mercado britânico. Além disso, o capital e mão-de-obra disponíveis estavam entre os mais baratos do mundo, numa indústria em que o trabalho representava mais de 60% dos custos de produção. As taxas de lucro de apenas 6% a 8% em inícios do século XX eram suficientes para incentivar a construção de novas fábricas têxteis.

Ainda assim, a indústria têxtil indiana não era capaz de competir com a britânica, apesar de os salários britânicos serem cinco vezes superiores. Os incentivos, por si só, não eram suficientes para haver crescimento.

No extremo oposto do espectro, a Escandinávia é bastante conhecida entre os economistas pelos seus elevados impostos e despesa pública. Os salários são tributados a uma impressionante taxa de 50% a 67%. A actividade económica está cercada de normas, regulamentos e restrições. No entanto, trata-se de economias bem sucedidas, produzindo tanto por trabalhador/hora como nos Estados Unidos e a um ritmo constante de crescimento.

Em contrapartida, na Inglaterra medieval, as tradicionais cargas tributárias sobre o rendimento do trabalho e do capital eram de 1%, ou menos, e os mercados laborais e de produtos eram livres e competitivos. Mas não havia crescimento económico. Apesar de os activos, como a terra, serem completamente seguros (na maioria das aldeias inglesas, a terra foi passando de proprietário para proprietário durante 800 anos ou mais, sem que houvesse contestação dos tribunais), os investidores tinham de receber retornos reais de 10% para manterem as terras.

A Revolução Industrial ocorreu num contexto em que os incentivos institucionais de base à economia se mantinham inalterados há vários séculos e, na verdade, vinham a piorar. Contudo, ao longo dos séculos as respostas a estes incentivos foram ganhando força gradualmente e o empreendedorismo consolidou-se. As oportunidades de lucro – decorrentes da conversão de terrenos comuns em terrenos privados – que existiam desde a Idade Média foram finalmente aproveitadas. As estradas que tinham permanecido praticamente intransitáveis devido à negligência vigente durante centenas de anos foram arranjadas e melhoradas devido aos esforços locais. A taxa de retorno exigida sobre os investimentos seguros desceu de 10% para 4%.

Assim, as determinantes cruciais da riqueza e da pobreza não são as diferenças nos incentivos, mas sim as diferenças na forma como as pessoas reagem a eles. Em economias bem-sucedidas, as pessoas trabalham arduamente, acumulam e inovam, mesmo quando não usufruem de grandes incentivos. Nas economias falhadas, as pessoas trabalham pouco, poupam pouco e mantêm-se fiéis a técnicas desactualizadas, mesmo quando os incentivos são bons.

De que forma poderemos transformar as culturas económicas das sociedades pobres para se parecerem mais com as ricas?

Os trabalhadores que transitam de uma economia pobre para uma rica adaptam-se rapidamente às convenções económicas da nova sociedade. Na indústria têxtil de inícios do século XX, por exemplo, a produção por trabalhador/hora dos funcionários polacos em Nova Inglaterra era quatro vezes maior do que a dos funcionários polacos que utilizavam as mesmas máquinas na Polónia. Um dos motivos para a migração ilegal das economias pobres para as ricas é a capacidade de muitos desses emigrantes se adaptarem à vida económica em economias ricas.

Os migrantes habituados às condições das economias bem-sucedidas são um núcleo potencial de industrialização das sociedades pobres. Mas esses trabalhadores normalmente optam por permanecer nas economias ricas. Um imigrante nigeriano qualificado nos EUA, por exemplo, tem mais oportunidades de futuro se permanecer lá do que se regressar à Nigéria. O fluxo de migrantes é feito integralmente das economias pobres para ricas, especialmente no que diz respeito aos trabalhadores com aptidões e instrução.

Assim, o desafio é conseguir um fluxo suficiente de regresso às sociedades pobres por parte daqueles que experimentaram as condições sociais de sociedades economicamente bem sucedidas. A ajuda às sociedades pobres sob a forma de programas concebidos para exporem os seus estudantes e trabalhadores à experiência de viver e trabalhar nos Estados Unidos antes de regressarem a casa será mais eficaz do que tentar tornar os governos e instituições dessas sociedades mais parecidos com os das economias avançadas. As pessoas estão em primeiro lugar.

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