terça-feira, 30 de setembro de 2008

O Seu dinheiro Não Existe

O dinheiro, como o conhecemos hoje, não existe. Hoje as noticias sobre o colapso financeiro em todo Mundo traduzem apenas a dificuldade que os bancos e as seguradoras têm em cobrar as suas dívidas e acompanhar as exigências da taxa de juro.

Os bancos funcionam graças à nossa confiança. Damos ao banco o nosso dinheiro para mantê-lo em segurança, e o banco, por sua vez, empresta-o a outra pessoa para ganhar dinheiro. Os bancos podem legalmente conceder crédito maior do que dispõem em dinheiro. Mesmo assim, a maioria de nós tem confiança total na capacidade dos bancos de proteger o nosso dinheiro e de o devolver quando o quisermos de volta.

Por que achamos melhor deixar nosso dinheiro num banco em vez de o colocarmos debaixo do colchão? Será apenas o facto de os bancos nos pagarem juros em algumas das contas? Será porque sabemos que se tivermos dinheiro no bolso, vamos gastá-lo? Ou será simplesmente a conveniência de poder passar cheques e utilizar cartões de débito em vez de carregar dinheiro?

E se o meu banco falir?

Há o risco de falência de um banco em Portugal?

A falência de um banco português é muito pouco provável.

O que aconteceria em Portugal se uma instituição de crédito entrasse em colapso?

Se tiver contas poupança, depósitos a prazo ou qualquer investimento num banco que entre em falência, não perde o seu dinheiro. Ou pelo menos, não a totalidade do dinheiro aplicado. O Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) (que funciona junto com o Banco de Portugal) assegura o reembolso até 25.000 mil euros, por depositante (e não por depósito).

Nos USA o equivalente ao nosso FGD é a Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), que, do mesmo modo, oferece a garantia para os primeiros $100 000 (cem mil dólares).

Para entendermos o que é hoje o dinheiro, e como é criado, tomemos o exemplo dos Estados Unidos da América, criador original do sistema que vigora em quase todo o Mundo que segue o sistema monetário capitalista.

Quem quer abrir um banco tem de depositar uma quantidade em dinheiro no banco central do país, aquele que é do estado e controla o sistema económico e monetário, alem de guardar as riquezas do Estado. Para abrir um banco, o seu banco, depositamos 1111 euros no Banco Central. Assim, que abrimos portas podemos emprestar até nove vezes o valor que depositamos no Banco Central. Assim, quando o primeiro cliente nos entrar pela porta e nos pedir 10 mil euros para comprar um carro, o seu banco pode emprestar esse dinheiro, uma vez que para tal está autorizado. Ora esses 10 mil euros não existem. São criados a partir da certeza do seu banco em que quem pede irá pagar os 10 mil euros que solicita e, mais, os juros e o spread que o seu banco cobra. Quando o José entrou pela porta do nosso banco e pediu 10 mil euros, a única coisa que o seu banco tinha era 1111 euros, mas a lei permite emprestar até nove vezes mais. Por isso, ao assinar o contrato de empréstimo são criados do nada, assim mesmo, os 10 mil euros. José, a pessoa que pediu o empréstimo, compra então o carro a Maria e paga com cheque. Maria recebe o cheque e vem depositar os 10 mil euros ao seu banco.

Neste momento, o dinheiro que foi criado pelo banco a partir do nada regressa à base. Porém esse dinheiro, que não existe em termos de valor (não é um quilo de ouro, uma galinha ou um terreno), assume o nome de “depósito”.

Aqui, as leis dos EUA, e por extensão as leis da maioria dos países do mundo ocidental, obrigam a que um décimo seja para uma reserva do próprio banco. O restante pode ser transformado em capacidade do banco para dar novos empréstimos. Assim, dos 10 mil euros recebidos, nove mil podem ser emprestados a outra pessoa, enquanto mil vão para os cofres. Se esses nove mil fizerem o percurso dos primeiros dez mil, se forem dados em empréstimo e regressarem depois sob a forma de depósito ao seu banco, o dinheiro criado a partir do primeiro empréstimo pode chegar aos 100 mil euros. Resultado, o banco, após várias transacções, chegará a um dos melhores negócios do Mundo: estará a cobrar juros sobre 100 mil euros que nunca existiram. O que existe de facto, são esses 1111 euros depositados como garantia no Banco Central. Mas o seu banco, sobre 100 mil euros, cobrará tranquilamente cerca de 20 mil euros de juros. Sem ter gasto mais do que aqueles 1111 euros.

Dá lucro, certo?

Ora, se imaginarmos que os bancos funcionam todos em circuito fechado, em que uns emprestam aos outros, o dinheiro fictício criado pelos bancos é tomado como bom pelos outros bancos e vice-versa.

Até ao dia em que tudo falha.

Imaginemos então que numa bela manhã uma dúzia de importantes clientes do seu banco vai à falência. Deixa de pagar a divida. Se deixa de pagar a divida, o seu banco deixa de receber. E se deixa de receber, fica sem lucro e sem dinheiro, porque o dinheiro que o seu banco tem é apenas a confiança de que o devedor pagará a sua dívida. Isto é, se as notas vão parar ao colchão, esse dinheiro, que não passa de divida, desaparece do circuito. Ora, uma quebra nos vasos comunicantes provoca a interrupção na troca de títulos de divida – que são as notas, moedas, cheques, etc… Conclusão, a quebra de fornecimento de dívida deixa o seu banco em pânico. Se não receber sobre o dinheiro que emprestou e quem pediu o empréstimo desaparece sem qualquer activo – uma casa, um carro, maquinaria ou terrenos -, não há qualquer hipótese de aplicar a dívida a um bem.

Quando qualquer pessoa pede a um banco um empréstimo sobre a compra de uma casa já sabemos que o dinheiro para a compra dessa casa não existe; mas a casa sim, tem existência física e pode ser “resgatada” como valor de dívida pelo banco – a pessoa fica sem a casa mas paga com a mesma a dívida contraída.

Ora, quando não se trata de uma casa mas sim de uma empresa financeira ou de serviços, o que vale no negócio é a capacidade de endividamento dessas empresas e os seus contratos e clientes. Mais grave, para estes clientes aquela capacidade do banco inventar dinheiro passa de 9:1 para 30:1 ou mais. Isto é, basta um depósito de 1000 para emprestar 30 mil. O banco afunda-se e o mercado financeiro vai abaixo. Tudo porque o dinheiro inventado pelo banco, à confiança do pagamento das dívidas, desaparece numa falência. Assim, o enorme monstro da dívida, que é o sustento de todo o dinheiro que existe, engole com tranquilidade e sem possibilidade de apelo as empresas, os bancos e as instituições de crédito, como seguradoras e imobiliárias.

Nos Estados Unidos da América o que tem acontecido é isto mesmo: as empresas imobiliárias Fannie Mae e Freddy Mac faliram porque os seus clientes não pagaram as prestações das casas e as próprias habitações caíram de valor. Os bancos como o Lehman Brothers faliram porque estavam só a tentar compensar perdas de juros e não tinham mais capacidade de endividamento. Outras empresas, como a gigante dos seguros AIG, também deixaram de ter liquidez.

A salvação, para grande alívio dos mercados, parece estar naqueles 1111 euros que estão, obrigatoriamente, de parte. É da Reserva Federal norte-americana, do Banco Central Europeu e do Banco Central do Japão que têm saído os milhares de milhões para salvar algumas empresas. Caso contrário, com a fragilidade dos mercados, um espirro em Wall Street, Nova Iorque, significava a morte certa de milhares de empresas em Portugal.

Referencias: Revista Focus nº 467

e http://empresasefinancas.hsw.uol.com.br/bancos-eua.htm

e http://radioclube.clix.pt/programacao/programas/cordodinheiro.aspx?d=22-09-2008

e http://www.thinkfn.com/wikibolsa/FDIC

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Actualização em 16-10-2008:

O Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) passou a garantir o pagamento de depósitos no valor de até 100 mil euros, um montante quatro vezes superior ao 25 mil euros coberto até aqui. A informação consta da proposta de Orçamento do Estado para 2009.
Além da criação de uma garantia às emissões de dívida dos bancos portugueses, no valor de 20 mil milhões de euros “deu-se cumprimento ao acordado no Conselho ECOFIN sobre Fundos de Garantia de Depósitos, passando o respectivo limite de 25.000 euros para 100.000 euros e reduzindo-se os prazos dos reembolsos”, sublinha o documento.
Os ministros das Finanças da União Europeia acordaram em aumentar o limite mínimo destes fundos para 50 mil euros, deixando liberdade aos países para fixarem os valores pretendidos.

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