terça-feira, 23 de setembro de 2008

Para que a próxima crise não seja pior

In "Jornal de Negócios Online":

A notícia da morte do capitalismo é bastante exagerada. O mercado financeiro está a ser violentamente atacado por um vírus e pode regressar mais forte, nem que seja porque todos o conhecemos agora melhor, incluindo aqueles que inventaram os novos activos ditos "tóxicos".

Pode ser cedo para tirar conclusões, mas uma é possível. O mercado adoeceu, mas não morreu. A sua nova vitalidade dependerá muito do que se fizer neste processo de salvação de quem se inebriou com a inovação financeira e de redesenho da regulação.
Não é uma visão optimista. As crises amadurecem os sistemas, e esta crise tem condições para fortalecer o funcionamento do mercado financeiro. Ficámos a conhecer melhor os seus limites e falhas. Ficaremos, por isso, a perceber melhor o que deve ser mais ou menos regulamentado e regulado. Os investidores passam a saber que têm de perguntar qual é o activo que estão efectivamente a comprar, quando digitam uma transferência para um qualquer fundo de investimento. E tão cedo não veremos olhar com desprezo para quem se fica pelo depósito a prazo ou pelo certificado de aforro.
Para já, os vencedores são aqueles que mantiveram regulações consideradas ultrapassadas e não se inebriaram pela elegância e sofisticação matemática de produtos financeiros que, afinal, poucos ou nenhuns conheciam bem. Países conservadores, como a Alemanha, estão hoje reforçados face aos Estados Unidos e ao Reino Unido.
Ninguém tinha percebido, até hoje, com quem ficava o risco do credor da banca não pagar, nas famosas operações de titularização. O banco vendia a carteira de crédito que tinha concedido para as famílias comprarem a sua casa ou irem até às Caraíbas. Dizia-nos – e os supervisores acreditavam – que o risco de incumprimento tinha ficado com quem tinha comprado, em regra bancos de investimento. Estes transformavam estes créditos em produtos de investimento e vendiam a quem tinha poupanças. Quem pode perder o dinheiro? Obviamente, quem aplica a sua poupança nesses produtos. Mas, sendo preciso convencê-los de que não havia risco, comprava-se um seguro que cobrisse o risco de incumprimento. Quem estava cheio desses seguros? Nem mais nem menos que a seguradora de dimensão global AIG. Estava, afinal, tudo, ou boa parte, pendurado na AIG. Caindo a AIG, tudo cairia, o que explica a decisão norte-americana de a salvar.
Que o mercado fique entregue ao mercado nos bons e maus momentos? A dimensão do colapso seria tal que se tornou impossível deixar o mercado entregue a si próprio. Todos, e especialmente os norte-americanos, tiveram demasiado presente a sua experiência na Grande Depressão. O seu presidente Hoover optou pelo "deixa cair" e lançou a economia dos Estados Unidos e o mundo na maior crise de que há memória.
Entre deixar cair e salvar de qualquer maneira vai uma grande distância. O Plano Paulson ou outra qualquer acção de salvamento não pode nacionalizar apenas os prejuízos e os activos tóxicos. Tem de ficar, como Paul Krugman defende, com activos rentáveis que possa depois vender e assim reduzir a pesada factura que vai cair sobre os contribuintes. Já que não o puderam condenar à falência, é preciso tudo fazer para entregar a factura ao infractor. Caso contrário, a próxima crise será ainda pior que esta.

Ver ainda: Sobre Mercado e regulação   e   Mercado e regulação(2)

Comissão Barroso - a avestruz de cabeça enterrada ...no casino

Sobre Off-shores: os infernos fiscais

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