quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Está na hora de "casar" John Maynard Keynes com os críticos do monetarismo e do despesismo em finanças públicas

In "Expresso.pt":

Está na hora de "casar" John Maynard Keynes com os críticos do monetarismo e do despesismo em finanças públicas, recomenda o economista da OCDE William White.

Depois de o Keynesianismo ter sido submerso na síntese dos modelos de "equilíbrio geral" que a Grande Recessão mandou para o caixote do lixo, William White, da OCDE, propõe a aproximação aos pontos fortes da corrente de pensamento económico designada por "escola austríaca" que condena os excessos na gestão das finanças públicas por parte dos governos e na política monetária por parte dos bancos centrais ou governos.

O casamento da herança de Keynes, à revelia deste, no século passado, com o formalismo matemático deu mau resultado.

Apesar de o economista de Cambridge ter casado com a bailarina russa Lydia Lopokova, que enviuvou em 1946, os economistas John Hicks (1904-1989), inglês, e Paul Samuelson (1915-2009), americano, empurraram o keynesianismo para uma união de facto com os seus arqui-inimigos neoclássicos, que foi apelidada de "nova síntese neoclássica".

O próprio Keynes numa troca de cartas com Hicks manifestava-se muito céptico sobre a utilidade de tais abordagens formalistas, que esqueciam dois pilares do seu pensamento: a incerteza e o comportamento humano que ele designava por 'animal spirits'.

Agora, propõe-se um novo casamento para Keynes - a procura de uma nova síntese na macroeconomia. Já que a Grande Recessão destes últimos dois anos se encarregou de invalidar a mistura "bastarda", como a mimoseava uma das discípulas inglesas e amigas de Keynes, Joan Robinson.

Procurar "pontes"

William White, presidente do Comité de Economia e Desenvolvimento da OCDE e ex-economista-chefe do Banco de Pagamentos Internacionais, fala, numa entrevista ( pode ser lida em inglês aqui) que nos concedeu, de regressar ao Keynes original e de procurar "pontes" com os pontos fortes de uma outra velha corrente com que o mestre de Cambridge esgrimiu argumentos durante os anos 1930 e 1940, a chamada "escola austríaca".

Nessa corrente foram proeminentes, no século XX, economistas de origem austríaca como o Nobel Friedrich von Hayek (1899-1992) e Ludwig von Mises (1881-1973), mas também o americano Murray Rothbard (1926-1995), que tem um livro reeditado pelo Mises Institute sobre a Grande Depressão americana (America's Great Depression) que contrasta, por exemplo, com a visão keynesiana de John Kenneth Galbraith sobre as causas de 1929 (Crash 1929, traduzido em Portugal pela Gestão Plus).

Em vez das "pontes" entre o keynesianismo e as metodologias de modelação dos neoclássicos, em que se investiu no passado, White insiste que é preciso "uma mudança de paradigma" em que podem desaguar as ideias originais de Keynes e alguns pontos de vista nucleares dos "austríacos".

Arte de cirurgião

O economista da OCDE actua como um cirurgião escolhendo e extraindo como relevantes as críticas muito duras feitas pela "escola austríaca" quer à dinâmica pró-cíclica das intervenções dos bancos centrais e dos governos que acompanharam a vaga de financeirização durante a "bolha", bem como a tentação das políticas anticrise dos governos para estenderem as suas intervenções para além de um período extraordinário.

O risco de transformar o que Keynes considerava como intervenção "anormal" em vício rotineiro tem um custo enorme: o de impedir, no período de depressão, os ajustamentos indispensáveis no tecido económico - particularmente nos sectores oligopolizados com empresas "demasiado gigantes para falirem". "Os estímulos keynesianos pelo lado da procura terão certamente benefícios no curto prazo, mas podem, eventualmente, provocar efeitos menos desejáveis se impedirem os ajustamentos necessários nas capacidades de produção", refere White.

Por isso, o economista da OCDE tende a construir um elo entre Hayek e Keynes - onde a maioria, de um lado e de outro da barricada teórica, tem visto contradições antagónicas de princípio, White vê a possibilidade de "um corredor contínuo" utilizando o melhor de cada um dos lados. Cirurgia que os integristas de cada uma das correntes não apreciarão.

A intenção de White é, claramente, preencher junto dos práticos - dos economistas dos bancos centrais e das equipas ministeriais, dos especialistas dos partidos e dos think tank - o vazio deixado pela perda de confiança nos modelos de equilíbrio geral.

CURTA ENTREVISTA A William White

P: A sua ideia é extrair cirurgicamente da escola austríaca os pontos fortes da crítica aos excessos do monetarismo e do despesismo governamental e juntá-los ao pensamento original de Keynes?

R: Sim, basicamente. Creio que tanto Hayek como Anthony Fisher (1915-1988) como Keynes tinham razão. Hayek recomendava que, em primeiro lugar, não nos metêssemos nesses sarilhos. Fisher juntava, no entanto, que a fase descendente do ciclo tinha sido pior do que Hayek imaginava. E Keynes tinha razão ao dizer que, nessas circunstâncias extraordinárias, havia um papel para a política monetária, e sobretudo orçamental. Sublinho que, para Keynes, tratava-se de agir em circunstâncias extremas.

P: O ponto de vista "austríaco" pode ser, também, útil contra os excessos de subsidiação em períodos de depressão em que é necessário proceder a reajustamentos no tecido económico?

R: Acho que a dependência excessiva das ferramentas macroeconómicas empurrou-nos para o mau caminho. Na verdade, muitos usam esses estímulos para evitar a necessidade de uma reestruturação e os problemas relacionados acabaram por tomar proporções inimagináveis com o tempo. Temo que é a situação em que estamos hoje.

Adaptado de artigo publicado na edição impressa de 24/12/09.

Sem comentários:

 
View My Stats