terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Nouriel Roubini - A bolha do ouro e os especuladores

In "Jornal de Negócios Online":

RB Os preços do ouro têm vindo a subir fortemente, tendo superado a barreira dos 1.000 dólares por onça e aproximando-se, nas recentes semanas, do patamar dos 1.200 dólares. Os "gold bugs" [NT: termo utilizado para descrever os investidores que apostam na subida do ouro; estes especuladores acreditam fervorosamente no valor intrínseco do metal amarelo] defendem que o preço poderá superar os 2.000 dólares por onça. Mas a recente subida das cotações, que só é parcialmente justificada por fundamentais económicos, parece ser - suspeitosamente - uma bolha especulativa.


As cotações do ouro disparam apenas em duas situações: quando a inflação está elevada e com tendência para continuar a subir, o ouro torna-se numa cobertura contra a inflação; e quando existe o risco de uma quase depressão e os investidores receiam pela segurança dos seus depósitos bancários, o ouro assume o estatuto de valor-refúgio.


Os últimos dois anos encaixam--se neste padrão. As cotações do ouro começaram a subir fortemente no primeiro semestre de 2008, quando os mercados emergentes estavam a sobreaquecer, os preços das matérias-primas estavam a subir e havia receios de um aumento da inflação nos mercados emergentes de forte crescimento. Mesmo essa escalada foi em parte uma bolha, que estoirou na segunda metade de 2008, quando - depois de o petróleo superar os 147 dólares por barril, destruindo o crescimento global - a economia mundial mergulhou na recessão. Assim que os receios em torno de uma deflação substituíram os receios de inflação, os preços do ouro começaram a descer, de par com a correcção nas cotações das "commodities".


A segunda escalada de preços ocorreu quando o Lehman Brothers colapsou, deixando os investidores assustados em relação à segurança dos seus activos financeiros - incluindo os depósitos bancários. Esse pânico foi controlado quando o G-7 se comprometeu a aumentar as garantias sobre os depósitos bancários e a apoiar o sistema financeiro. Quando a situação ficou mais calma, em finais de 2008, os preços do ouro retomaram o movimento de queda. Nessa altura, com a economia global a entrar numa quase depressão, a utilização comercial e industrial do ouro, e mesmo a procura por parte do sector do luxo, caíram ainda mais.
O ouro voltou a superar os 1.000 dólares por onça em Fevereiro-Março de 2009, quando parecia que a grande maioria do sistema financeiro dos Estados Unidos e da Europa poderiam estar perto da insolvência e que muitos governos poderiam não conseguir garantir os depósitos e sustentar o sistema financeiro, pois os bancos que eram demasiado grandes para falir eram também demasiado grandes para serem salvos.


Esse pânico diminuiu - e os preços do ouro voltaram a inverter para a baixa - depois de os bancos norte-americanos terem sido submetidos aos "stress tests" [NT: Estes testes tiveram como intenção perceber a capacidade de as instituições financeiras em causa sobreviverem à recessão e à crise financeira mundial que se estava a viver e de suportarem uma deterioração do clima económico], de o programa de compra de activos tóxicos (TARP) por parte do governo dos EUA ter ido em socorro do sistema financeiro, retirando os activos problemáticos dos balanços dos bancos, e de a economia global ter tocado, gradualmente, no fundo.
Assim sendo, não havendo riscos de curto prazo de inflação ou de depressão, por que motivo é que as cotações do ouro recomeçaram a subir fortemente nos últimos meses?


Existem várias razões para os preços do ouro estarem em alta, mas estas apontam mais para uma subida gradual, com riscos significativos de uma correcção em baixa, do que para uma subida rápida até aos 2.000 dólares por onça, tal como é afirmado actualmente pelos "gold bugs".


Em primeiro lugar, se bem que a economia mundial esteja ainda em deflação, os enormes défices orçamentais monetizados estão a alimentar receios em torno da inflação no médio prazo. Em segundo lugar, uma vaga de liquidez sem precedentes, através de uma política monetária muito cómoda, está a ser aplicada em activos, incluindo nas matérias-primas, o que poderá acabar por relançar a inflação. Em terceiro lugar, as operações de "carry trade" [NT: fonte de financiamento em moeda estrangeira] financiadas pelo dólar exercem uma substancial pressão baixista sobre a nota verde, ao mesmo tempo que se verifica uma relação inversa entre o valor da divisa norte-americana e o preço das matérias-primas denominadas em dólares: quanto mais baixo o dólar, mais elevado fica o preço em dólares do petróleo, de outros produtos energéticos e outras "commodities" - incluindo o ouro.
Em quarto lugar, a oferta global de

ouro - tanto a existente como a de recente produção - é limitada e a procura está a aumentar mais depressa do que pode ser atendida. Parte desta procura está a provir dos bancos centrais, como os da Índia, China e Coreia do Sul. E parte desta procura deriva dos investidores privados, que estão a usar o ouro como cobertura contra os riscos extremos, que continuam a ser pouco prováveis (inflação elevada e mais uma quase depressão provocada por uma recessão em forma de W). Com efeito, os investidores procuram cada vez mais proteger-se antecipadamente destes riscos. Atendendo à oferta inelástica do ouro, mesmo uma pequena alteração nas carteiras dos bancos centrais e dos investidores privados em favor do ouro são suficientes para fazer os preços subirem significativamente.


Por último, o risco soberano está a aumentar - basta ter em conta os problemas enfrentados pelos investidores no Dubai, na Grécia e noutros mercados emergentes e de economias avançadas. Este risco reavivou os receios de que os governos possam não ser capazes de apoiar um sistema financeiro demasiado grande para ser resgatado.


No entanto, uma vez que o ouro não tem valor intrínseco, existem fortes riscos de uma correcção dos preços para a baixa. Os bancos centrais acabarão por ter de abandonar as políticas de facilitação quantitativa [injectar liquidez no sistema financeiro] e de taxas de juro em torno do zero, o que exercerá uma pressão baixista sobre os activos de risco, onde se incluem as matérias-primas. E a retoma global pode acabar por se revelar frágil e anémica, levando a um maior sentimento "bearish" em relação às "commodities" - e "bullish" face ao dólar.


Um outro risco de correcção para a baixa reside no facto de o "carry trade" financiado pelo dólar poder ser desarticulado, fazendo estoirar a bolha de activos a que - de par com a vaga de liquidez monetária - deu origem. E atendendo a que o "carry trade" e a vaga de liquidez estão a provocar uma bolha de activos global, parte da recente subida do ouro está também a ser impulsionada por essa bolha, com o comportamento de manada e a "negociação por impulso" por parte dos investidores a levar o preço do ouro para níveis cada vez mais altos. Mas todas as bolhas acabam por estoirar. Quanto maior for a bolha, maior será o estoiro.


O recente aumento das cotações do ouro só é parcialmente justificado pelos fundamentais económicos. E também não é muito claro por que razão devem os investidores armazenar ouro se a economia global voltar a mergulhar na recessão e se os receios de uma quase depressão e de uma escalada da inflação se intensificarem fortemente. Se você realmente receia um colapso da economia a nível global, deverá armazenar armas, comida enlatada e outros produtos que pode realmente usar na sua cabana no meio do bosque.


Nouriel Roubini é professor de Economia na Stern School of Business, Universidade de Nova Iorque, e "chairman" da Roubini Global Economics (www.rgemonitor.com).


© Project Syndicate, 2009.
www.project-syndicate.org
Tradução: Carla Pedro

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