sábado, 29 de novembro de 2008

Um novo fantasma ensombra a crise - A queda dos preços

In "EXPRESSO assinantes":

Inundar com dólares o sistema passou a ser a terapia.


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Um novo palavrão do ‘economês’ entrou em cena: deflação. Há poucos meses, quando o petróleo e as matérias-primas fizeram disparar os preços em todo o mundo, a inflação era o inimigo público.

Só que, desde Julho, quando se iniciou o choque petrolífero ao contrário, a situação alterou-se. Nos EUA, em Outubro, o índice de preços desceu 1% - a maior queda mensal desde 1947, quando começou a série deste indicador.

Jean-Claude Trichet, BCE

A deflação passou a ser uma ameaça que levou as autoridades a reclamar a necessidade de baixar ainda mais as taxas de juro nominais, gerando uma oferta de dinheiro a taxas reais negativas. Uma terapia usada no Japão a partir de 1999 e cujos resultados foram uma estagnação prolongada.


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O presidente da Reserva Federal (Fed) parece seguir um guião baseado num artigo científico que publicou em 2004, em que previa o uso sucessivo de diversos truques financeiros em conjugação com a baixa da taxa de referência até 0%.

Nos EUA, a consequência desta política monetária agressiva foi uma queda da taxa directora do dólar (a «fed funds rate») efectiva até valores inferiores a 0,5%, apesar da meta ser de 1%. É que, ao contrário do Banco Central Europeu (BCE), que fixa um valor para o juro a cobrar aos bancos, a Fed define um objectivo e intervém no mercado para o atingir.

Ben Bernanke, Fed

Liquidez armadilhada


Um dos perigos destas injecções maciças de liquidez e da descida dos juros é a ‘armadilha de liquidez’. Um conceito introduzido por John Keynes e que representa uma situação em que as alterações nas taxas de juro deixam de ter efeito na economia.

Richard Portes não considera a deflação uma ameaça real para EUA e Europa, mas reconhece que a política monetária pode estar a perder a eficácia, ainda que por razões diferentes do Japão. “Os bancos querem liquidez, precisam de aumentar a sua base de capital e não confiam uns nos outros - três boas razões para não emprestarem”, explica o professor da London Business School e presidente do Centre for Economic Policy Research (CEPR).

Também Paul de Grauwe considera o risco de deflação na Europa e EUA “relativamente baixo”, mas avisa que “não pode ser completamente excluído”. Para o economista belga, a zona euro está já a viver uma armadilha de liquidez: “Tem a forma de bancos sentados numa pilha de liquidez e a não a usarem para aumentar o crédito. A melhor maneira de a ver é o facto da base monetária (a liquidez criada pelo banco central) aumentar muito rapidamente enquanto a massa monetária (M1 - moeda e depósitos) não se alterar”.

 

Dinheiro a rodos nos EUA


A Fed já induziu um salto no crédito total jamais observado: de uma média de 885 mil milhões de dólares em Agosto para cerca de 3 biliões este mês. E as reservas nos bancos aumentaram 14 vezes nos últimos dois meses.

Mas onde pára esse dinheiro? A resposta do académico Jeremy Siegel é simples: ou foram sugados pelo buraco negro dos produtos tóxicos existentes nas contas dos bancos ou ‘dormem’ nas tais reservas. “Julgam que estão a emprestar (à economia real)? Não. os bancos estão sentados no dinheiro”, diz Siegel. O analista John Kemp adianta mais um dado: muito desse dinheiro está a ser reciclado pelos bancos re-emprestando-o à Fed.

A solução para combater a crise, principalmente com uma política monetária sem grande poder de fogo devido à fraca cooperação da banca, é trazer para o campo de batalha todos os trunfos. “A única forma de lidar com o problema é com uma combinação das políticas monetária e orçamental”, garante De Grauwe. É que a crise continua a agravar-se e não é tempo para deixar armas de política económica guardadas na gaveta.

J.S. e J.N.R.


O que é a deflação?

Chama-se deflação a um processo de descida dos preços ou, o que é equivalente, de taxa de inflação negativa. É um fenómeno que está normalmente associado a fases recessivas do ciclo económico em que existe excesso de capacidade produtiva mas pode também ser causado por falta de oferta de moeda. Um exemplo clássico é o Japão entre 1995 e 2005, depois do colapso dos valores dos activos em 1991 e 1992 e da entrada em crise anunciada por um célebre discurso de Akio Morita, que ficou conhecido como o «choque Morita». A política de descida das taxas de juro até próximo dos 0% foi iniciada em 1999 e as injecções de liquidez a partir de 2001. O resultado foi a estagnação económica e a saída da deflação só se verificou em 2006. Recentemente, o Banco do Japão teve de mexer na taxa de juro, baixando-a para 0,3%, o que já não acontecia desde 2005. Como a inflação na terra do Sol Nascente ainda é de 2,4%, isso significa que o dinheiro está a ser emprestado a taxa negativa.

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